9 de abril de 2014

É hora de voar

"- Pra onde, senhor?
Queria responder “para um lugar onde eu não preciso responder a nenhuma das respostas que a vida está me fazendo a alguns meses”, mas, provavelmente, o taxista me olharia com uma cara desconfiada.
- Orla da Barra. Qualquer lugar que dê para tocar o mar e respirar."


Ainda com o coração gritando sobre tudo que tinha acontecido, ainda com os gemidos de minutos atrás em minha cabeça, ainda sem saber como seria dali em diante, parecia que minha bagunça começava a se organizar. Antes de voltar para casa, resolvi me esconder um pouco naquele pedaço de lugar que eu gostava de fazer meu sempre que tudo dava um nó. Sentei na areia e um filme parecia se passar em minha cabeça. As crises de ciúmes, as brigas, a nova chance, a revelação de Lucas, o beijo em Pedro e agora aquela noite que me fez vivo sexualmente.

A pegada forte de Pedro era como aquela jogada de parede que a vida parece te dar vez em quando. Tudo ainda estava zunindo em meu ouvido, martelando a cabeça, mas afrouxando os nós que meu coração foi criando ao longo desses dias. Parece que o amor por Lucas virou obrigação e amor quando vira obrigação deixa de ser amor, vira rotina, perde o encanto, adormece as borboletas.

Despertei do meu devaneio com a ligação de Flavinho, preocupado como sempre e achando que eu ainda tenho 17 anos de idade e acabei de chegar a Salvador. Não demorei muito ali, acho que ele também precisava de mim. Aquela história com Vicente precisava de um empurrão e eu faria ele dizer sim para toda a felicidade que estava esperando ele. Se era minha vez de abrir a porta e deixar ir, era a vez de Flávio abrir a porta e deixar entrar.

Tomei um banho, relaxei um pouco na sala, despejei as minhas certezas indecisas de sempre, mas com a coragem de quem nunca esteve tão certo. Flávio, sempre cauteloso, achava melhor eu pensar sobre tudo com calma, sem as lembranças da noite impregnadas em meu corpo e, principalmente, não tendo Pedro como moeda de troca. Como era bom ter Flavinho por perto para acalmar os meus aflitos.

Não demorou muito e eu resolvi deitar a cabeça no travesseiro, porque o sono demoraria de chegar com toda certeza. Eu precisava ligar para Lucas ou, pelo menos, mandar uma mensagem alertando da nossa conversa. Ou era melhorar esperar ele chegar e não estragar a viagem com a mãe? E Pedro? O que será que ele estava pensando disso tudo? Por que tudo tinha que ser tão atrapalhado assim? Eu não podia simplesmente viver o “felizes para sempre” com Lucas e acabou?

Seis horas da manhã e o despertador toca: "Ainda não sei o que pensar sobre ontem. Ainda não sei se você voltou, se nossa história retomou, o que você sente. Eu sei que ainda existe Lucas. Mas não me deixa no silêncio, tá? Bom dia."

Acordei e, de cara, a mensagem de Pedro me despertava mais que qualquer sinal sonoro irritante tocando por segundos. Eu precisava deixar claro para Pedro que não existe possibilidade de retornos, que a vida anda para frente, ainda que a gente resolva relembrar aquelas memórias antigas. Não dava para colocar ele em minha vida agora. Ainda tinha alguém de saída e qualquer adeus deixa marcas que não se apagam com outros beijos em outra cama.

“Pedro, precisamos conversar depois. Você sempre fará parte da minha história, mas... hoje, só podemos ser bons amigos”. Depois de responder a mensagem, levantei, comi alguma coisa rápida e resolvi ligar para Lucas. Se ansiedade matasse, a minha era a grande vilã de todos os dias.

- Bom dia, amor. Ligando tão cedo assim. Não aguenta mais de saudade não? – por que Lucas tinha sempre que despejar esse romantismo até as seis horas da manhã de um sábado? Nunca conseguirei entender.
- Bom dia. Como está a viagem? Aproveitando muito? – a tática de passear por outros assuntos quando não se sabe como dizer exatamente. Não conseguia escolher a maneira certa de falar, mas disfarçar que estava tudo bem era algo que ainda precisava treinar muito.
- Tá legal, bom rever alguns familiares e ficar um pouco mais com minha mãe. Mas... o que houve? Você está estranho.
- Você volta amanhã mesmo?
- Então, ia te ligar mais tarde para falar sobre isso. Minha mãe resolveu ficar mais uns dias e eu a acompanharei. Aproveito e tento fazer uns contatos com duas empresas daqui. Tudo bem?

“Bom, tudo bem não estava, já que eu precisava terminar o nosso namoro de tempos e não estava nada confortável em fazer isso pelo telefone. Mas... você está me deixando sem saída”. Era essa a resposta que eu queria ter dado, mas bendita sutileza em meio a um turbilhão de aflição.

- Preciso conversar contigo algumas coisas. Sobre a gente. Entra mais tarde no Skype, não sei se consigo esperar até você voltar – a voz embargou e respirei fundo para não desabar ali mesmo em lágrimas. Por mais que eu tivesse certeza do nosso fim, ainda era amor, ou pelo menos foi amor. – Tudo bem?
- Calma. Assim que eu chegar em casa, te aviso e a gente se fala pelo Skype. Mas tenta manter a calma. Dá pra sentir que você não está bem, amor.
- Fico esperando você me avisar então. Se cuida e dá um beijo em sua mãe. Beijos!

Desliguei o telefone e corri para o quarto de Flavinho. Ele ainda estava sonolento, mas acabou ouvindo todas as minhas crises existenciais, afetivas, sexuais e até profissionais. Quando uma estoura, as outras resolvem mandar um recado de que estão por ali também.

- Mateus, eu acho que você deve acabar de uma vez com essa história. Chega de meter as pessoas nas suas indecisões. Tô começando a achar que Lucas é o grande mocinho dessa história.
- Caraca, Flávio! Pensei que você pelo menos conseguia me entender.
- Eu te entendo, meu amigo. Mas você precisa tomar decisões que não fiquem no vai e vem. Se for para deixar ir, que deixe de uma vez. Não dá para abrir a gaiola, mas prender as asas do passarinho com um barbante. Ou liberta ou decida continuar fechado.

O rei das metáforas acabava de me dar um belo tapa na cara sem ao menos me tocar. Minha mania de indecisão era apenas medo de deixar ir, medo de não ter mais, medo daquela solidão. Mas, por vezes, a solidão a dois machuca tanto que já não sabia mais onde era melhor estar só.

O celular tocou, era Lucas. Abri o Skype e depois de meias palavras para adiar por alguns minutos aquela conversa, resolvi despejar... tudo de uma vez... sem meio papo, sem aquele dito meio que não dito.

- Lucas, primeiro queria te pedir desculpa. Eu sei que promessas não devem ser quebradas, que elas são como cristais, preciosos, valiosos, especiais. Você sempre foi assim pra mim e, por isso, eu prometi cuidar de você depois daquela nossa conversa. Mas sinto que nosso amor foi diluindo ao longo do tempo e nossa relação não mexe comigo como eu queria que mexesse. Acho injusto permanecer com isso. Injusto com nós dois. Eu preciso respirar um pouco, abrir novos sorrisos, deixar o coração mais leve. Você precisa de alguém que te ame completamente. Eu não posso estar mais completo para você. Parte de mim já não está mais entre a gente e eu não consigo recuperar essa parte. Ela simplesmente se perdeu.

Ficamos alguns minutos em silêncio e eu pude ver, por aquela tela do notebook, as lágrimas que desciam pelo rosto de Lucas. Era doloroso demais não poder ao menos segurar sua mão e dizer aquilo tudo. Mas era ainda mais doloroso segurar aquilo por mais três, quatro ou cinco dias.

- Você tá bem? – perguntei.
- Se eu dissesse que sim, estaria sendo o maior mentiroso agora. Mas vou ficar bem – enxugou as lágrimas do rosto e respirou fundo. – Acho que não tenho mais o que falar. Você já decidiu por nós dois. Espero que você tenha certeza disso tudo.
- Certezas nunca foram meu forte, mas preciso fazer o que meus instintos estão gritando – falei e abri mais um espaço para o silêncio. – Bom, preciso ir agora. Fica bem, tá? Qualquer coisa, sabe onde me encontrar.
- Tá certo. Ainda te amo e vou tentar ficar bem o mais rápido que eu puder. Se cuida!

Desliguei a conexão e chorei. Chorei por toda a dor que eu tinha provocado e depois chorei por toda a liberdade que eu sentia agora. Parecia que eu tinha aberto realmente aquela gaiola e estava pronto para bater as asas em direção ao céu outra vez. Sem nenhum barbante para prender, sem nenhum olhar amuado atrás de mim, sem nenhuma culpa me pedindo para ficar.

Limpei o rosto, tomei um banho e resolvi fazer daquele fim de semana o primeiro bom motivo para ser feliz novamente. Era hora de começar a batucar pela vida, de sambar naquelas ruas de Salvador e de preparar a fantasia porque o Carnaval ainda prometia boas surpresas.

Mateus

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