10 de agosto de 2014

Os ventos frios dando boas-vindas

“Pedro: Mateus, dá notícias quando chegar. (01:10)
Pedro: E aí, chegou? (06:00)
Mateus: Cheguei sim. Foi tudo bem. Vou descansar e aproveitar Dona Maria aqui. Beijo. (07:00)
Pedro: Não esquece de mandar notícias. Já estou com saudade de você. Não demora e fica bem. (07:01)”


Oito horas de viagem e o ônibus entrava na rodoviária daquela cidade que um dia foi tão minha e hoje parecia ser apenas um refúgio nos dias escuros. Fria como costumava ser. Talvez aquela neblina de logo cedo combinasse bem com meu estado de espírito. Não esperei pelo outro dia e decidi vir ainda à noite para Vitória da Conquista. Talvez, ao lado da família e de antigos amigos, um novo caminho apontasse ou, pelo menos, um pouco de ar na alma aliviaria.

Na porta de casa, o cheiro de café recém-coado e de bolo saindo do forno pareciam dar as boas-vindas necessárias. Vim sem avisar, mas a casa parecia estar pronta para me receber. Dona Maria sabia como caprichar nos mimos de mãe, e eu só consegui abrir os braços para um abraço apertado. Nos braços da mulher mais importante da minha vida, encontrei um bom motivo para sorrir e afrouxar os nós da alma.

- Por que não me avisou que vinha, meu filho? – falou Dona Maria já pegando um prato e os talheres para colocar na mesa.
- Decidi de última hora, mãe. Tive uns contratempos em Salvador. Acabei aproveitando o feriado e umas folgas no trabalho para dar um tempo por aqui. Descansar, sabe? Ainda tem lugar para seu filhinho lindo lá no quarto? – ri enquanto servia uma xícara do café forte para dar um ânimo.
- Você sabe que aqui sempre será sua casa. Que conversa besta de ter lugar, menino!

Mães sempre mães. A gente cresce, muda de cidade, termina a faculdade, arruma emprego, precisa se desdobrar para pagar as contas, mas elas sempre vão nos ver como parte daquela casa onde a gente pegava picula à tardinha. Conversamos trivialidades, mas ainda estava cansado da viagem e resolvi deitar um pouco. Acordei com o almoço na mesa e uma mensagem no celular. “Quer dizer que chega na cidade e nem avisa aos velhos amigos. Muito bonito, senhor Mateus. Lay”.

Lays é uma daquelas amigas que a gente viverá um amor eterno, não importa onde estejamos. Conheci-a quando tínhamos 10 anos, em uma brincadeira aqui na rua de casa. Ruiva, branquinha, com olhar forte e o jeito mais doce de viver. Fomos colegas de colégio anos depois. Cheguei a namorá-la por alguns meses, quando ainda éramos adolescentes. Mas acho que nunca gostei o suficiente de meninas para levar adiante. Depois que fui embora, mantivemos contato e, entre as minhas vindas a Conquista, acabei contando a ela que era gay. Ela se assustou no início, principalmente, pelo fato de termos namorado e transado. Mas depois entendeu toda a minha desatenção com ela e a atenção com Pedro. Sim, conheci Pedro na época que namorava Lays. Se tivesse mantido os dois juntos, arriscaria dizer que formaríamos O Terceiro Travesseiro.

Liguei para Lay para explicar a vinda repentina e acabamos combinando uma saída. Segunda ela, iria acontecer um bloco de rua aqui na cidade. “Nada comparado aquele paraíso chamado Salvador, mas dá pra se divertir”, segundo a ruivinha. Precisava me divertir e, talvez, aquela fosse a recepção ideal para começar a viver os dias por aqui. Almocei, assisti um pouco ao que estava passando na TV e fui tomar um banho. Coloquei uma calça jeans, uma camiseta branca e uma jaqueta por cima. Apesar de ser o fim do verão, Conquista não segue muito as regras das estações e o tempo parecia esfriar.

Chegando na avenida, encontramos alguns colegas do antigo colégio que resolveram aproveitar o feriado e passar uns dias na cidade. O bloco começou e Lay resolveu que deveríamos beber para aguentar toda aquela gente. Fui buscar bebida para nós dois e, enquanto peço um famoso capeta na barraquinha da esquina, encontrei com Rafael. Rafael era o melhor exemplo daquele colega de sala que ninguém nunca deu muita ousadia, mas começa a reparar em como ficou gato depois que cresceu. No colégio, sempre foi na dele, mas bastante respeitador. Não era de namorar, mas sempre estava grudado com uma menina bonita. Olhos castanhos, boca grande, cabelos preto e liso, como um índio. Mesmo sendo um belo tipo de homem, o que sempre me chamava atenção nele era a educação caipira. Com sotaque carregado, Rafael nunca deixava de me cumprimentar quando nos encontrávamos na cidade. Por mais que não tivéssemos papo, sempre me perguntava da vida, o que estava fazendo na cidade e convidava para “tomar uma breja”, que nunca havia acontecido, é claro.

- Cheguei hoje na cidade, cara. Tô com Lay por aqui, vendo o que rola e se dá pra curtir um pouco a noite – sorri respondendo a sua pergunta de sempre. – E você? Aproveitando a festa?
- Como pode, né? A patroa tá ali de olho, sabe como é. – falou olhando para perto do trio que estava passando. Como sempre, Rafael estava muito bem acompanhando. Dessa vez, uma loira que parecia viver para academia e dietas. Ri do desejo descarado de Rafael em estar solto.
- É assim mesmo, cara. Mas aproveite que sua companhia é bem gata. Com todo respeito, claro! – sorrimos.
- Vamos combinar de tomar uma breja depois, Teteu – o apelido de adolescente é algo que Rafael nunca desistiu de usar em algumas ocasiões. Achava engraçado, meio gay, mas engraçado.
- Rapaz, acho que essa breja tá quase ficando choca, viu?
- Pois então me passe seu número aí que vou agilizar isso pra ontem.

Trocamos os números do celular, ele mandou uma mensagem no whatsapp na mesma hora e nos despedimos com a promessa de que “a breja” rolaria dessa vez. Encontrei Lay, mas ela já estava de papo com um rapaz bem interessante. Não o conhecia, mas não conhecia quase ninguém mais na cidade depois de 5 anos fora. Tomei minha bebida e resolvi aproveitar a música para dançar um pouco. Depois de alguns copos, percebi que Rafael não saia da minha cabeça. Como ele era sempre gentil e sexy ao mesmo tempo. Tinha perdido ele de vista durante a festa, mas, pelo menos, tinha seu celular. De que adiantava o celular se existia apenas uma loira gostosa acompanhando ele.

- Você não é daqui, certo?

Meus pensamentos foram interrompidos por um rapaz que, em segundos, estava em minha frente, no meio daquela multidão. Ele usava uma máscara presa com uma fita azul escura e uma camiseta preta que realçava seus quase músculos desenvolvidos. Magro de pernas grossas e uma bunda de dar prazer a qualquer cara. Sim, no meio daquela festa profana e depois de alguns copos, meu olhar sexual havia atingido limites que ficavam difíceis controlar.

- Oi – respondi ainda meio confuso com a sua aparição. – Não, não sou... quer dizer... sou, mas não moro mais aqui.
- Imaginei. Nunca lhe vi por aqui. Desculpa, não me apresentei. João. João Henrique. – falou enquanto me estendia a mão.
- Mateus – apertei sua mão e o puxei para um abraço amigável.
- Está sozinho?
- Vim com uma amiga, mas ela encontrou uma companhia mais atraente e deve estar aproveitando em algum lugar melhor agora – falei enquanto me dava conta de que havia perdido Lay de vista.
- Pronto, agora tem companhia. Se não se importar, é claro!

João tirou a máscara e revelou-se um menino ainda. Alguns pelos ralos no rosto, o olhar apertado, talvez pelo álcool, lábios bonitos e o cabelo arrumado com pomada de forma bem natural, o que o tornava ainda mais interessante.

- Acho que ficou bem melhor sem a máscara – falei ajeitando um pouco seu cabelo que havia bagunçado com a máscara. Ele riu, sem jeito, agradeceu o elogio e amarrou a máscara na cintura.
- Nossa, tá frio demais. Nunca me acostumo com essa cidade. Salvador sempre quente, a mudança é grande.
- Sério que você é de Salvador? Trocamos de casa pelo visto.
- Porra, mundo pequeno. Uma pena essa troca então.

Tirei minha jaqueta e entreguei a João. A bebida havia esquentado um pouco o corpo e eu poderia aguentar um pouco sem estar vestido nela.

- Olha, vou aceitar só porque, realmente, estou congelando.

Continuei curtindo a noite com João. Sua companhia se tornou ainda mais agradável, e percebemos que o papo rolava de forma natural entre a gente. Entre bebidas, marchinhas antigas e os maiores hits atuais, nos divertimos bastante naquele pequeno Carnaval de interior. Antes de terminar o circuito, desisti de encontrar Lay e resolvi ir embora.

- João, foi um prazer te conhecer, cara. Mas já estou indo.
- Não acredito que vai me deixar aqui sozinho agora – falou com o olhar de menino guloso, que te pedia muito além de companhia com os olhos.
- Menino, não pede assim.
- Por que não?
- Porque posso entender o pedido de companhia de uma forma distorcida.

João sorriu e segurou minha mão me puxando para algum lugar que eu não conhecia. Segurei ele, tentando impedir aquela fuga repentina antes que ele me contasse para onde iríamos.

- Confia em mim, rapaz! Não vou te colocar em perigo. Pelo menos, acho que não.

Conseguimos sair do meio da multidão e entramos em uma rua mais deserta, que era via para outra avenida movimentada. João parou, olhou em meus olhos com tanta intensidade que acabei desviando o olhar e dando um riso desconsertado. Como que criando coragem, retornei o olhar para aquele menino e o puxei pela cintura na direção do meu corpo. Não fazia ideia do que estava fazendo. Minha mente não controlava mais os impulsos do meu corpo. João parecia ansioso por aquilo e a respiração ficava mais ofegante. Nossos rostos estavam próximos o suficiente para um possível primeiro beijo.

- Aqui não é o lugar ainda – falei soltando seu corpo e, provavelmente, levando ladeira abaixo toda a esperança de que eu fosse possui-lo ali mesmo, no meio da rua.
- Quer ir pra minha casa?
- Você mora sozinho?
- Não. Divido apartamento com alguns colegas de faculdade.
- E eles não estão em casa?
- Talvez sim. Quem sabe não vale o risco.

Confesso que fiquei tentando a aceitar o convite e terminar aquela noite da forma mais prazerosa possível. Mas era melhor não arriscar. Pedi desculpas e disse que teríamos tempo para terminar aquilo que quase começamos.

- Vou esperar ansiosamente por essa hora então.
- Chegará mais rápido do que você imagina, rapaz – falei, piscando o olho e dando o sorriso mais descarado possível.
- Desculpa, mas é melhor irmos embora. Você é muito gostoso, cara. Não sei se resisto mais alguns minutos aqui sem poder te beijar – João acariciava meu ego de uma forma assustadora. Só conseguia sorrir, mesmo que o tesão fosse recíproco e eu quisesse foder ele ali mesmo.
- Poxa. Quer dizer que você só quer me beijar?
- Você sabe que não. Por mim, estaríamos agora, em minha cama... mas você me dispensou hoje – ele fez cara de menino birrento e o todo o tesão que eu estava se transformou em vontade de abraça-lo. Apertei ele como se fosse um grande amigo e lhe dei um beijo na testa de despedida, prometendo entrar em contato logo.
- Teremos tempo. Ficarei alguns dias aqui em Conquista. Espero que você possa ser uma companhia para alguns momentos.
- Se depender de mim, já aceito.

Deixei João no táxi e peguei outro logo em seguida. Não fazia ideia de como seriam os dias em Conquista. Mas, se acompanhasse o ritmo do primeiro, não tinha dúvidas que iriam ser mais prazerosos do que os dias que deixei em Salvador.

Mateus

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