6 de agosto de 2014

O cheiro que lhe convém

"- Sabe o que eu não entendo, Flávio? – Pedro perguntou enquanto tomávamos mais uma xícara de café.
- O quê?
- Como Mateus foi se meter nessa relação doentia, hein?! Eu não entendo, não faz sentido, é totalmente sem lógica!
- E quem disse que o coração segue alguma lógica?"


Os primeiros sinais de cansaço vieram antes mesmo de qualquer novidade relacionada ao quadro clínico de Lucas. Pedro, sem demonstrar qualquer vestígio de abatimento, permanecia ao lado de Mateus que, já acordado, brincava com um canudo num copo de suco, se recusando a ingeri-lo. Ainda apreensivo, Mateus se agarrava à presença de Pedro em busca de um colo que lhe fosse confortável ou, simplesmente, de alguém que fosse capaz de suportar o conflito que travava dentro de si até que a bandeira branca fosse estendida em sinal de paz. Era quase metade da manhã, e Vicente já havia ligado algumas vezes. Por saber que Pedro cuidaria de Mateus, resolvi voltar pra casa. Lucas estava em boas mãos e Pedro me avisaria caso precisassem de qualquer tipo de ajuda.

Cheguei em casa e encontrei Vicente largado no sofá, zapeando canais na televisão. Quando me viu, me abraçou como se não nos víssemos há dias.

- Oi, meu lindo! Tudo bem com você? – falei.
- Tudo sim. E você? Tá com uma cara péssima, hein?!
- Tô podre de cansaço. A sensação é a de que não durmo há dias. Tô louco pra cair na cama e dormir.
- Dormir? – Vicente perguntou com cara de quem queria sugerir outra coisa.
- Sim, meu bem, dormir. Desculpa, mas na situação que eu to, se eu bater uma punheta, caio morto no chão – respondi, rindo.
- Besta! – Vicente se desvencilhou do abraço e voltou para o sofá. E então, alguma notícia de Lucas? E Mateus, como tá? – perguntou enquanto eu seguia para o banheiro. Precisava de um banho pra tirar o cheiro de hospital que impregnou no meu corpo.
- Mateus tá bem. Pedro ficou lá com ele. Já sobre Lucas, eu não tenho nenhuma novidade, só aquilo que já te contei – respondi. 
- Que encrenca esse menino foi se meter, hein? Mateus, tão fofo, não merecia passar por isso não – Vicente comentou quase para si mesmo.
- Pois é, mas agora que o estrago já tá feito, só resta mesmo esperar pra que tudo acabe bem. Vou tomar um banho, senão, daqui a pouco, vou começar a achar que eu é quem tô doente – respondi enquanto fechava a porta do banheiro.

Dormi algumas horas e, quando acordei, já passava do meio dia. Encontrei Vicente na sala, compenetrado em um livro que reconheci ser de Mateus.

- Olha, o dorminhoco acordou – Vicente disse assim que me viu. 
- Dormi feito uma pedra – respondi bocejando. O que tá lendo? – perguntei.
 - “O Menino no Espelho”, de Fernando Sabino. Peguei no quarto de Mateus, espero que ele não se importe. Uma vez ele comentou sobre e eu fiquei curioso.
- Huum...
- A propósito, ele acabou de ligar. Na verdade, Pedro ligou agora a pouco. Pediu pra avisar que Lucas não corre risco algum e que agora só precisa de repouso. Mateus vai pra casa dele, mas acho que deve passar aqui antes.

Vicente deu o recado sem desgrudar os olhos do livro, enquanto eu preparava um lanche qualquer na cozinha. Mateus e Pedro apareceram meia hora depois, mas demoraram apenas o tempo de Mateus pegar algumas roupas limpas no quarto e guardar tudo em uma mochila. Enquanto esperava, Pedro me contou detalhes do que o médico havia dito. Percebi que Vicente havia se levantado do sofá, indo em direção ao quarto de Mateus. 

Era bom poder dividir com Pedro os cuidados com Mateus. Não que ele fosse uma criança e não soubesse se cuidar. Mas quando o coração pede um afago, quanto mais carinho, melhor. E ele tinha nas mãos a segurança que meu amigo pedia; algo que ultrapassava os limites da amizade que tínhamos, mas que não chegava aos empurrões, forçando a barra. Algo que já estava lá dentro do peito dele, bem guardado, só esperando o momento certo para mostrar-se vivo.

Mateus saiu do quarto ajeitando uma mochila nas costas e veio ao meu encontro com um sorriso cansado em um rosto impaciente. Vicente saiu do quarto logo em seguida, parecia desconcertado e logo se acomodou no sofá, mais uma vez, sem dizer palavra alguma. Abracei meu amigo em um aperto gostoso, sentindo o arfar do seu peito e seu coração ainda agitado.

- Mateus, promete que vai ficar bem? – perguntei.
- Prometo sim, Flavinho, eu juro. E depois de pôr tudo em seu devido lugar, eu vou deixar de dar trabalho pra vocês – respondeu com um riso contido.
- Trabalho nenhum, seu besta. O nome disso é cuidado de amor – falei passando a mão em seu rosto e puxando para mais um abraço.

Nos despedimos ali. Mateus seguiu com Pedro e eu fiquei a sós com Vicente no apartamento, coisa que não acontecia há um bom tempo. Ele continuava focado na leitura, mas agora, já descansado, eu queria aproveitar meu namorado, seu corpo e seu sexo. Andei devagar até a sala e pus uma música no aparelho de som. 

A batidinha provocante de “All That Matters” fez Vicente largar o livro e prestar atenção em mim. Eu estava parado no meio da sala, já me desfazendo da camisa que vestia. Olhava para ele como se tentasse hipnotizá-lo. Não foi preciso muito. Vicente já me olhava sem piscar os olhos, pronto para deixar-se levar. Cheguei mais perto, sem desviar o olhar. Meu pau duro já fazia volume sob a bermuda. Vicente me puxou pelo quadril, desprendeu o botão e deslizou o zíper, me deixando apenas de cueca. Meu pênis pulsava. Os olhos de Vicente brilhavam. Nosso ímã natural havia sido ativado. 

Abaixei a cueca em um único gesto e coloquei meu pau na boca de Vicente, socando de leve enquanto ele o saboreava. À medida que os movimentos se intensificavam, Vicente apertava minha bunda e sugava com mais gosto, olhando para mim, vez ou outra, para se certificar de que eu estava gostando. Ah, estava sim, e sentia uma necessidade absurda de senti-lo ainda mais. Empurrei Vicente no sofá, fazendo com que ele se deitasse. Tirei a roupa que ele usava e me deitei sobre o seu corpo excitado, beijando sua boca com pressa. 

Minhas mãos percorreram todo seu corpo até pararem no meio de suas pernas, meus dedos massageando seu cu num movimento lento. Nos olhávamos em sintonia, desejando a mesma coisa. Corri até meu quarto e peguei camisinhas e lubrificante. Vicente estava deitado de bruços quando voltei à sala, o quadril levemente inclinado para cima. Encaixei meu corpo entre suas pernas, afastando uma da outra e, com as mãos, abri caminho para que minha língua tocasse seu cu. Vicente gemia enquanto eu o lambia devagar, mordiscando sua bunda vez ou outra. Ele estava pronto. Já quase explodindo de tesão, vesti meu pau com um preservativo, lubrificando Vicente em seguida. Numa única investida, me vi dentro dele, que soltou um urro altamente sonoro, em um misto de prazer, dor e excitação. Permaneci dentro de Vicente, parado, beijando os músculos das suas costas, até que ele pediu para que eu continuasse. 

Meu quadril ditava os movimentos e o ritmo da transa ganhava os contornos de uma música nova que tocava. Eu deslizava dentro de Vicente, preenchendo aquele espaço que se permitia ser meu, desejando cada centímetro de mim ali. Minhas estocadas, cada vez mais fortes, eram seguidas por gemidos que só me provocavam ainda mais. Mudamos então de posição. Vicente veio por cima, cavalgando sobre mim. Seu rebolado, seus músculos se contraindo e sua mania de morder os lábios olhando para mim como se eu fosse uma fera que precisava ser domada. Tudo isso provocava em mim um frisson surreal, aumentando meus sentidos para o que acontecia. Apertei sua bunda com força e soquei forte, acelerando o ritmo com que meu pau entrava e saia, latejando, cada vez mais, as veias já alteradas. 

Vicente ficou de quatro no tapete da sala e continuamos ali até gozar minutos depois. Já estávamos no nosso limite, e era impossível segurar. Mantive as investidas e comecei a masturbá-lo. Seu pau estava duro feito pedra. Se contorcendo por inteiro, ele gozou muito, sujando todo o tapete. Então ele me empurrou devagar, virou-se e retirou a camisinha do meu pênis. Fui chupado mais uma vez por um Vicente que parecia insaciável, tamanha era a intensidade dos movimentos e da sua língua em meu pau. Acabei gozando em sua boca. Ele riu, com a cara mais sacana que tem, e engoliu meu esperma, sugando gota por gota. Nos demos um beijo demorado e nos atiramos no chão, completamente exaustos. 

- Acho que esse tapete vai ter que ir pra lavanderia hoje – Vicente falou em tom de brincadeira. Eu apenas ri, sem conseguir pronunciar palavra, ainda sem fôlego. Pensava em como Vicente me fazia bem. Não porque tínhamos acabado de fazer sexo e não somente pelo sexo. Ele havia resgatado em mim uma coisa que parecia perdida, essa coisa gostosa que é gostar de alguém. E eu olhava pra ele tentando dizer, apenas no olhar, esses pensamentos todos. Forçar nossa ligação para além de qualquer gesto verbal ou não verbal. Criar essa ponte invisível de estímulos e sentidos que só fizessem sentido para nós.

- Obrigado, Vicente – falei olhando dentro dos seus olhos, sem vacilar.
- Pelo quê?
- Por tudo. Por ter surgido do nada, por ter me conquistado... pelo seu toque, pelo seu beijo, por estar aqui, por esse sexo incrível! Por tudo.
- Não precisa agradecer, eu não tô te dando nada. Isso tudo que você disse, eu recebi em troca. Talvez até a mais. Mas numa relação, quando tudo é recíproco, não há espaço pra dívidas.
- Nem para dúvidas?
- Você duvida do que eu sinto por você? – perguntou encabulado.
- Não, disso eu não duvido. Mas não sei se mereço. Sei lá, às vezes eu penso que deveria me doar mais, sabe?
- Flávio, de você eu quero o que você tem e pode me dar, sem forçação de barra. Se forçar a gostar de alguém além do natural, só traz sofrimento. Olha só o que Lucas fez com Mateus e onde tudo acabou. Se é que acabou.

Fiquei em silêncio sem saber o que responder. Desviei o olhar e encarei o teto. Ele repousou a cabeça no meu peito, permitindo que eu lhe fizesse um cafuné entre as trancinhas bem arrumadas do seu cabelo. 

Vimos a noite chegar pela janela até deixar a sala em total penumbra. Depois de um banho demorado, pedimos pizza, vimos um filme trash que passava na televisão e nos desligamos completamente da cidade em festa. Fizemos nosso carnaval particular com mais sexo, suor e cerveja – por que não? Naquela noite, fomos dormir relativamente cedo, um tanto embriagados, com o corpo pedindo reposição urgente de energias. 

Acordei sobressaltado no meio da noite. Algum sonho ruim havia me espantado momentaneamente o sono. Vicente não estava na cama e imaginei que o encontraria na cozinha assaltando a geladeira. Levantei para beber um copo d’água e dar uns beijinhos no meu nego. Quando saí pelo corredor, percebi a porta do quarto de Mateus entreaberta e uma luz fraquinha saindo de dentro. Nenhum movimento vindo da cozinha. Vicente não estava lá. Andei devagar em direção da luz vinda do quarto e espiei. Era Vicente que estava lá, sentado quieto sobre a cama, tão concentrado que não percebeu quando empurrei a porta e entrei.

Para meu espanto, encontrei Vicente cheirando as roupas que Mateus havia deixado mais cedo. Fiquei perplexo, sem entender nada, mas com o sangue já começando a fervilhar na cabeça.

- QUE PORRA É ESSA, VICENTE? – gritei.

Ele cheirava uma cueca de Mateus e a largou no susto. Olhava pra mim paralisado, sem reação. Meu coração já batia descontrolado enquanto as lágrimas corriam livres pelo meu rosto. Por alguns instantes ficamos apenas nos olhando. O olhar de culpa de Vicente se encontrava ao meu olhar vermelho, pintado de raiva. Parecia uma cena congelada do filme trash que vimos horas antes. Na minha cabeça, o filme da nossa relação que assisti mentalmente, sozinho em uma sala escura, não passava disso mesmo: uma produção barata que acabava de chegar ao fim.

Flávio

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